RISIBILIDADE NA CONTÍSTICA DE BERNARDO ÉLIS
Gedeon Pereira Campos
Mestre em Letras e Linguística (FL/UFG)
(RESUMO)
Bernardo Élis é reconhecido pela crítica como um escritor das duras realidades do homem que habita o interior do Brasil, mais especificamente de Goiás, na região Centro-Oeste. Suas histórias são repletas de agressividade e no seu conteúdo a violência brutal e amorte gratuita, entre outras coisas, quer expressar a difícil relação do ser humano. Esse fator tem contribuído bastante para o reconhecimento de Bernardo Élis pela crítica especializadacomo um autor que demonstra um engajamento político e social. É preciso compreender que aobra desse escritor, que sem dúvida é marcada pela idéia do protesto, ao mesmo tempo emque discute um conteúdo fortemente trágico, sério, grave, sublime, por outro lado, introduz os
elementos do riso, como um mecanismo para equilibrar os sentimentos do leitor. Este estudodeseja demonstrar que o riso representa a síntese de uma dialética, configurada pela realidadeque, no ponto de vista do autor, deve ser retratada; pela recriação, nos limites de realidade literária, composta de elementos caricaturais, de incongruências, do jogo com a linguagem como forma de prazer. O riso como um arrebatamento súbito da expectativa, é colocado notexto com o propósito de ser recuperado pelo leitor, de maneira que assim ele possa exercer o sereno julgamento diante dos fatos narrados nas histórias. A análise dos contos de Bernardo Élis será realizada com base nas concepções filosóficas e nos principais arquétipos do riso que são: cômico das formas, cômico das situações e cômico da linguagem.
Palavras-chave: Literatura, Riso, Violência, Monotonia, Contos, Bernardo Élis.
(INTRODUÇÃO)
O riso pressente a verdade desnudada pelo dilaceramento do cimo.
Georges Bataille
Bernardo Élis é naturalmente o escritor goiano de maior prestígio no cenário literário de nossas letras. Sua obra, no entanto, é considerada por muitos como uma escrita de protesto em razão do tom de denúncia e de reivindicação que emanariam das tramas, onde seencontram fixados os quadros de miséria e de conformismo decorrentes do modus vivendi dos sertanejos, não raro, retratados como seres esquecidos nos locais mais ermos e nos gerais mais distantes. Nessa paisagem bravia, infernal e letéica1, submetidos a um regime de subvivência e opressão, os tipos se acham praticamente desumanizados, e até mesmo desfigurados, como acontece a Nhola, Oláia, Piano, Januário, Totinha, Put-Kôe. Ali, como ocorre a cabo Sulivero, Nequinho e Moisés, os homens assistem ao ritmo monocórdio da sucessão dos dias, quebrado tão somente pela violência dos crimes brutais, que são quase sempre seguidos pelo espetáculo da morte.
As imagens duras e verossímeis que figuram em sua prosa contribuíram de modo substancial para realçar a importância de Bernardo Élis como um escritor preocupado com as questões sociais. Esse compromisso político-ideológico não é de maneira alguma negado pelo autor que em seu depoimento afirma: “tentei [...] fazer da literatura uma arma de denúncia” (Élis, 2000, p.95), referindo-se evidentemente à difícil vida levada pelo povo goiano, que na primeira metade do século passado via-se mergulhado no atraso social, econômico, político ecultural.
O engajamento de Bernardo Élis, no entanto, não é de maneira alguma panfletário. Entre as tantas coisas que chamam a atenção em sua obra, está o fato de o escritor procurar estabelecê-la no mais perfeito equilíbrio, ou seja, nos limites da utilidade e da fruição. Bernardo, conforme já teria dito Herman Lima (1966, p.24), na enunciação de sua prosa, “não se mascara [...] em momento algum, de sociólogo impertinente nem de demagogo proselitista”. O escritor, afinal, parece reconhecer que a sobrevivência do artista está em não se deixar dominar apenas pelos elementos da realidade, nem em elaborar uma obra com o singular propósito de deleitar o leitor. Por essa razão, suas histórias combinam o deleite com a utilidade, o que o coloca na esteira de Horácio, poeta latino que viveu no século I a.C., e que,ao legislar sobre a matéria literária, prescreve a idéia do necessária, posto que a literatura deve, ao mesmo tempo, deleitar e instruir o leitor (Horácio, 1995, p.65).
Bernardo Élis, com a idéia de fixar o antagonismo, procura representar a tragédia e a comédia de uma única vez, pois, parafraseando Nietzsche, nada pode mesmo ser tão triste que não possibilite pelo menos um único riso. Por essa razão, quanto mais o escritor tende ao trágico, mais ele se aproxima do cômico – ou de modo inverso – configurando assim um tipo de hibridez que, no passado e a respeito de outros autores, já havia sido percebido por Emil Staiger (1997, p.159). No caso específico de Bernardo Élis, o interesse em representar a fusão entre tragédia e comédia evidencia-se no conto “Um assassinato por tabela” (EG). Nessa história de triângulo amoroso, o amante Ramiro irá representar o duplo agente da natureza humana, pois ele é trágico e cômico a um só tempo. Condenado à morte, a pena imputada surge como uma forma de possibilitar a superação dos sentimentos do casal Benício/Fulô. Isso porque, aos olhos do marido, a morte do amante não vai além de um acontecimento cômico, enquanto aos da esposa, encarna o espírito da tragédia, num evento que exigirá dela um papel determinante.
O riso é um dos elementos que mais se faz presente na prosa de Bernardo Élis. Sua recorrência no texto não pretende impedir que a tragédia se realize, mas se inscreve como um meio de não deixar que o leitor se perca arrebatado pelos sentimentos de uma paixão violenta. Por isso as histórias encontram-se marcadas pelos acontecimentos inesperados, pelas incongruências e dissonâncias das ações, pelas imagens caricaturais e por uma linguagem que é capaz de produzir no leitor uma reação prazerosa que, não raras vezes, irá se materializar no riso do leitor.
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Leia o texto na íntegra acessando o link: https://www.ufg.br/this2/uploads/files/25/gedeon_dissertacao.pdf
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