A expressão “há controvérsias!”, do saudoso ator Francisco Milani, o Pedro Pedreira da “Escolinha do professor Raimundo”, é algo que logo me vem à cabeça sempre que leio sobre a história de Aparecida nos textos que se fizeram publicar até o presente.
Acontece que alguns, a pretexto de narrar a história do município, quando não quiseram ganhar dinheiro, por intermédio de uma escrita fácil, bajuladora e alheia a critérios, quiseram se promover e, desse modo, talvez, possibilitar que alguns nomes ficassem gravados e atrelados à história da cidade.
Na condição de historiadores, essa gente precisaria reconhecer que a recomposição de fatos históricos não é uma atividade pacífica, nem produto de vaga reminiscência. Muito ao contrário, além do aparato teórico, a historiografia pressupõe trabalho de campo envolvendo observações, entrevistas, cruzamento de dados, até que as informações coletadas chegassem a tal estado de saturação e as entrevistas começassem a ficar redundantes. Só depois o sujeito poderia sentir-se apto para sentar e recompor a história, obtendo inclusive licença para fazer as interferências naturais que resultariam da interpretação dos fatos. Mas o problema é que nem todos pensam dessa maneira. Sucede que a idéia de ser o primeiro a tocar num determinado assunto gera certa euforia e isso teria motivado alguns a escreverem de qualquer jeito, contrariando, muitas vezes, a inteligência e o bom senso.
Mais ou menos assim é o contexto do livro Aparecida de Goiânia: do zero ao infinito, editado em 2002 pelo ex-prefeito da cidade, Freud de Melo, que nas páginas 28 e 29, confessa ter fraudado o senso demográfico do antigo povoado em nome de sua emancipação. Os que já leram a "obra" - e as escolas as tem às dezenas - sabem que o texto é de pouco fôlego e mais parece arremedo de historiografia. A leitura é cansativa pela extensa lista de processos, projetos, números de leis, que leitor nenhum precisaria dar-se ao trabalho de ler, e o passado na narrativa aparece como pretexto para justificar a cabotinagem do autor. O livro é muito mais focado no tempo presente, generoso com muitas figuras - inclusive com a do próprio autor - o que nos faz pensar na falta de pesquisa, na timidez, na ausência de erudição e na perda de memória do narrador. A obra erra nas datas, nos cálculos, na linguagem e os relatos refletem graves paradoxos, a exemplo da contradição entre as páginas 94 e 100, pois o escritor, no primeiro caso, fala de fidelidade ao retratar os fatos históricos e, no segundo, elabora um engodo narrativo – e aqui as palavras são do próprio autor – ao comentar que os jornais de Aparecida “noticiam de forma imparcial os acontecimentos mais importantes da cidade”.
Ora, sabemos que a imparcialidade é um mito que não se deixa apreender e que o simples fato de alguém selecionar um determinado assunto ou designar uma causa já significaria, por antecipação, assumir um posicionamento. Daí, falar de isenção e de compromisso com a verdade, quando o assunto é jornais que por aqui sobrevivem do financiamento público, não passa de “forçassão” de barra. Enfim, a suposta obra nasceu há bem pouco e já está relegada ao esquecimento das prateleiras porque é desorganizada na sua composição, cansativa em seus relatos, além de ser muito marcada pela intencionalidade na abordagem dos acontecimentos. O livro, portanto, é de pouca valia e de difícil recomendação. E nem adiantaria recomendar mesmo, pois, afinal, o aparecidense vem atingindo sua maioridade e aprendendo a torcer o nariz para aquilo que lhes tentam empurrar goela abaixo, a exemplo da escrita daqueles que, talvez por gozarem de influência social e política, se julgam os fiéis depositários da memória da cidade.
Gedeon Campos
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