No dia 13 de setembro próximo, a tragédia radioativa de Goiânia, que ficou conhecida em todo o país como o acidente com o césio-137, completa 22 anos. Não restam dúvidas de que se trata de uma tragédia sem precedentes na história do Brasil. Os danos incalculáveis e irreparáveis, estes sim, até hoje causam inquietação e suscitam suspeitas quanto à veracidade dos fatos divulgados em torno da questão.
O maior motivador do crescimento do número de vítimas com o césio-137, segundo se sabe hoje, foi a má ou a não-informação acerca da gravidade do problema, no que diz respeito aos perigos a que estariam submetidos os que estiveram expostos, envolvidos com aquela, agora famosa, substância mortal. Órgãos de imprensa, talvez por puro desconhecimento ou por conivência mesmo, procuraram se omitir deixando que o governo da época insuflasse um exército de trabalhadores, sobretudo policiais e bombeiros militares, no processo de isolamento das vítimas e na suposta descontaminação das pessoas e do espaço afetado. Isso, praticamente sem qualquer preparo específico ou aparelhamento adequado para aquela ocasião. Portanto, contraditoriamente, na atividade de descontaminação, essas pessoas ironicamente se contaminavam. E as forças administrativas do Estado sabiam disso, tanto é que destinaram para a tarefa preferencialmente pessoas solteiras, logo sem famílias constituídas, e pessoas mais idosas. Provavelmente, com o propósito de se esquivar das pesadas indenizações e das pensões duradouras que, conforme provavelmente suspeitavam, viriam mais tarde.
Numa tese de doutoramento defendida em 2008 na UnB, em que aborda justamente o direito à informação, o professor doutor da UFPA, Lucivaldo Vasconcelos Barros, faz referência em seus estudos à questão do acidente radioativo em Goiânia e fala da importância de uma reflexão mais profunda sobre a necessidade de resguardar o direito livre, prévio e irrestrito à informação. “O avanço científico que pode salvar vidas e melhorar as condições de existência do povo é também motivo de preocupação por colocar em perigo a saúde da própria população”, escreve Barros.
Muitas das pessoas que, à época, trabalharam na descontaminação da cidade realizaram suas atividades sem nem ao menos saberem que se tratava de material radioativo e contaminante e isso prova o distanciamento que o cidadão comum geralmente está em relação às verdades dos acontecimentos. Foi um crime que o Estado cometeu contra aqueles cidadãos, mas que praticamente ficou impune, já que as penas foram tão brandas e, principalmente porque só atingiram os proprietários do antigo hospital, o Santa Casa de Misericórdia, causando a impressão de que se tratava apenas de um “bode expiatório”, ou seja, do famoso “pegar alguém para Cristo”. Não foi punido como crime o fato de o Estado ter faltado com a devida informação e destinado um exército de trabalhadores sem qualquer preparo para a realização de tarefas tão insalubres, na mais completa ignorância no que diz respeito aos riscos corridos.
Essa realidade de falta de acesso à informação verdadeira é preocupante ainda nos dias atuais porque as empresas de divulgação de notícias continuam atreladas às estruturas de poder, deixando de lado aquilo que, de fato, importa para o bem-estar da população. A carência de esclarecimentos deixa sequelas irreparáveis no seio da sociedade e contra isso deve se erguer todo o cidadão de juízo perfeito, preocupado com as questões humanas e de relevância social. Não dá mais para engolir meias verdades, principalmente no atual contexto da informação, atrelada a informatização, que já vem contribuindo para arrancar o cidadão comum, o leitor em potencial, das garras desses veículos, cuja relação com o poder é de completa promiscuidade. O direito à informação verdadeira é uma prerrogativa garantida e assegurada na Constituição Federal e deve ser de interesse de todos, sem qualquer restrição. Os acontecimentos da sociedade não podem ser reorientados por autoridades de governo, nem monopolizados para atender a interesses econômicos.
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